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O passo do pássaro é o seu desejo de voar,
a mão do caçador é igual à mão que diz a Deus: adeus!,
deixei de crer em ti e creio só em mim. Mas quando creste
em ti acreditaste em Deus, o teu nome confessa-o,
foste tu que carregaste o Nome dentro do teu nome
Tu foste todas as dúvidas que fazem a certeza.
Aprendeste que da crueldade ao perdão vai apenas
a distância que cabe no peito de um homem, aprendeste
que as catedrais mais altas se erguem dentro de nós
e que o sangue dos inocentes é igual ao sangue dos culpados.
Só te culpo, Paulo, a ti que és inocente, justamente
da minha culpa, a minha pobre culpa nem menor nem maior
que a tua culpa; nem pior nem melhor do que a culpa de todos.
Só tu, Paulo, podes saber como esta dor é interminável,
como ser justo obriga a penas tão injustas
quantas as faces que oferecemos pelos outros.
Paulo, Deus está contigo porque está comigo,
Deus é o único ser que tem o teu nome
mas tem também o meu nome
porque chamar-se nada ou ter nome de nada
o obrigaria a escolher e Deus não escolhe,
determina.
Joaquim Pessoa
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in Nomes
Litexa, 2002.
Imagem: A conversão de "São Paulo", pintura de 1600 pelo artista italiano Caravaggio.
2 comentários:
Valéria
não conhecia esse poeta português, mas adorei ver aqui sua poesia.
A imagem da pintura e a poesia se completam numa densidade de beleza.
bjs
Querida Zizi, Joaquim Pessoa escreve coisas lindas, é um grande poeta de quem sou amiga e admiro muito, obrigada pelo carinho e por ter gostado do Poema.
Deixo bjuivos no seu coração.
Loba.
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